segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

105) Ligeiro bosquejo sobre a vida e obra do filósofo e cientista Ernesto Bozzano

Ernesto Bozzano
     
     Foi no ano de 1891 (diz Ernesto Bozzano) -- data para mim memorável -- que pela primeira vez me pus em contato com as pesquisas psíquicas e isso se deu por obra do professor Ribot, diretor da "Revue Philosophique", o qual espontaneamente me enviou o primeiro número dos "Anais das Ciências Psíquicas", em que se falava de telepatia (obs. minha: como frisei no artigo anterior, "telepatia" foi a palavra cunhada por Frederic Myers para designar o fenômeno em que uma pessoa prestes a morrer, ao pensar num parente ou amigo distante, transmite a este, por meio de ondas cerebrais, a sua imagem -- pelo menos esta foi a primeira interpretação que Myers deu ao fenômeno). Esta "fortuita coincidência", continua Bozzano, decidiu para sempre do meu futuro de escritor e pensador. Uma vocação predominante me havia, ao invés, conduzido a ocupar-me, exclusiva e apaixonadamente, de filosofia da ciência e Herbert Spencer era, naquele tempo, o meu ídolo. (...) Não obstante, a síntese conclusiva das minhas concepções filosóficas gravitava decisivamente na órbita dos pensadores materialistas, que negavam a existência de um Ente Supremo e a sobrevivência humana. Nessa conformidade, defendia eu, nas revistas filosóficas, esse ponto de vista com apaixonado ardor, correspondente, em tudo, ao que mais tarde viria a demonstrar em defesa de uma causa diametralmente oposta, porém infinitamente mais reconfortante.     
     
     Charles Richet (1850 - 1935) e Ernesto Bozzano (1862 - 1943) mutuaram-se influências e estímulos durante mais de 40 anos. O filósofo italiano contaria mais tarde que foi através do primeiro número dos "Anais das Ciências Psíquicas", da qual Richet era o orientador e Darieux o diretor (e que lhe foi enviado pelo prof. Ribot), que travou conhecimento com a fenomenologia paranormal. Leu os artigos iniciais dos "Anais" e leu a resposta do professor Rosembach na "Revue Philosophique", clamando contra a intrusão sacrílega desse novo misticismo na Psicologia oficial, procurando explicar os novos fatos pelas hipóteses da alucinação e das coincidências casuais. No número seguinte dos "Anais", um artigo do professor Richet, baseado em fatos comprovados, refutava, ponto por ponto, os argumentos de Rosembach. Foram justamente os argumentos fragílimos e insubsistentes de Rosembach que começaram a despertar em Bozzano o interesse pelo assunto, tendendo a levá-lo à opinião contrária a do opositor de Richet. Mas ainda era muito cedo para isto. No entanto, diria mais tarde Bozzano em sua "Autobiografia", mesmo sem dar por tal, eu já havia dado o primeiro passo no caminho da "estrada de Damasco".     
     Mas o que abalou seriamente o seu critério positivista-materialista foi a leitura da grande obra "Animismo e Espiritismo", do poliglota, conselheiro de estado russo e professor da Academia Alemã de Leipzig, Alexandre Aksakof. (...)     
     Depois do estudo das principais obras e de nove anos de experimentos (de que falaremos adiante), desfêz-se-lhe a síntese filosófica materialista, laboriosamente adquirida através dos livros e trabalhos de Büchner, Moleschott, Vogt, Feuerbarch, Tanzi, Sergi, Ardigo, Haeckel, Huxley, Comte, Taine, Guyau, Le Dantec, Morselli e do seu ídolo maior -- Herbert Spencer.       
     Pode-se dizer que Richet foi o iniciador de Bozzano nos estudos parapsíquicos. Enfrentaram-se mais tarde, várias vezes, em polêmicas serenas e elevadas -- Richet, materialista, versus Bozzano, espiritualista. E foi Bozzano quem colheu a confissão final e confidencial de Richet, poucos meses antes de sua morte (confissão que é mostrada no artigo 43 deste blog).     
     
     Continuando a exposição, Bozzano começa a ler os livros e revistas especializados que versam sobre o assunto, publicados em todos os principais centros do mundo. Da leitura, seleciona todos os casos interessantes, escrupulosamente verificados, classifica todos os fatos, dividindo-os em categorias, grupos, subgrupos, e mantém cuidadosamente em dia um quadro geral das matérias. Leu as obras de Allan Kardec, de Gabriel Delanne, Léon Denis, Eugênio Nus, Alfredo Erny, Paul Gibier, William Crookes, Alfred Russel Wallace, Edmond Gurney, Frederic Myers, Adolphe D'Assier, Karl du Prel, Alexandre Aksakof, etc., e adquire as principais obras inglesas e norteamericanas publicadas desde a origem do "movimento de Hydesville" (Dale Owen, Epes Sargent, Sra. De Morgan, Dr. Wolfe, Sra. Emma Hardinge-Britten, William Howitt). E vai catalogando os fatos, por meio de um classificador alfabético, método precioso e prático que empregará durante a sua gloriosa vida de pesquisador exemplar. Adquire, assim, uma cultura psíquica sólida e só depois considera que chegou o momento de por frente a frente os seus conhecimentos teóricos com as pesquisas experimentais, para comprovar se estas confirmam ou não aqueles.      
     Com alguns amigos de Gênova funda uma sociedade de estudos psíquicos: o "Círculo Científico Minerva", onde realiza experimentos psíquicos desde o ano de 1892 até 1906. O "Círculo" vive, especialmente, oito anos magníficos, durante os quais obtém as mais genuínas provas experimentais sobre a fenomenologia anímica e espirítica, inclusive materializações de Espíritos.     
     Quando, em 1901, decidiu entrar na liça, seu primeiro trabalho foi divulgado pela "Revista de Estudos Psíquicos", de Paris, cujo título atraía a atenção dos metapsiquistas e dos espíritas -- "O Animismo Prova o Espiritismo". Coincidência ou não, o fato é que daí em diante -- diz Bozzano -- não mais pude deixar de eviscerar, sob todos os aspectos, essa questão, que é fundamental para a correta interpretação da fenomenologia metapsíquica e cuja solução, em sentido espirítico, se apresenta como a única apta a explicar o conjunto inteiro dos fenômenos paranormais.     
     Como todo pesquisador de um ramo da ciência, Bozzano sempre empregou o método de análise comparada e fê-lo seguir de uma síntese. Daí então ele nos apresenta um acervo de 1.200 classificações de fatos extra-sensoriais pelas vias do Animismo e do Espiritismo, rigorosamente selecionados, controlados e verificados. Jamais ousou emitir conclusões de natureza geral relativamente à origem provável de qualquer categoria de fatos psíquicos, sem primeiro ter passado em revista, analisado e comparado todos os fatos daquela categoria, e todas as hipóteses formuladas para explicá-los, quer as de ordem materialista (fraudes, sugestões, autossugestões, alucinações, coincidências fortuitas), quer as de ordem anímica (memória integral, telepatia, clarividência), quer as de ordem espirítica.     
     Graças a este método que o conduzirá à convergência das provas, critério adotado em toda a sua investigação científica, graças a esta prodigiosa massa de fatos inteligentemente reunidos, Bozzano pronuncia-se com autoridade. Rebate as hipóteses dos seus contraditores em todos os domínios do pensamento: filosófico, científico, teológico. A sua lógica cerrada e o seu raciocínio preciso tornaram-no temível lutador. Sob o fogo dos seus argumentos lógicos, os adversários emudecem.     
     Cria renome cada vez maior: depressa é considerado "o grande mestre da ciência da alma". Mais de duzentas cartas por mês, provenientes de pesquisadores e curiosos de todas as partes do mundo, vêm interromper-lhe as meditações e o trabalho perseverante, executado em reclusão quase completa. A parte essencial da sua obra consiste na publicação ininterrupta de monografias poderosas, profundas (mais de cem, segundo os que as contaram), das quais só algumas foram traduzidas em francês, inglês e português. Nelas reúne os fatos mais importantes de cada categoria de fenômenos paranormais, e não elimina "a priori" qualquer hipótese, por que só tem um objetivo: através da Verdade chegar à Verdade, como ele próprio dizia. Não emprega frases impressionantes e vazias de sentido. Analisa, compara e demonstra com base exclusivamente nos fatos. Fatos, sempre fatos...        
     Para finalizar, demos a palavra ao filósofo e cientista italiano:      
     
     Na minha qualidade de defensor da teoria espírita, tomei a meu encargo submeter aos "animistas totalitários" o primeiro ensaio do material paranormal em discussão.        
     Não duvido que completarei assim um trabalho eminentemente científico e, sobretudo, literalmente decisivo relativamente à controvérsia que nos divide, e que pode se desenrolar de forma cortês de um lado como de outro. Estou preparado para esta discussão por 43 anos de estudo metódico, severo, sistemático, de natureza nitidamente científica, e sobretudo imparcial, pois, durante a mocidade, militei nos ramos do positivismo materialista, escrevendo artigos apaixonados nas Revistas filosóficas para sustentar convicções dessa época.     
     Então, nada de misticismo nas minhas convicções atuais: não é senão a lógica irresistível dos fatos que realizou a grande transformação, lógica fundada na análise comparada de um acervo imponente de 1.200 classificações de fatos, nos quais se acham registrados todos os importantes fenômenos paranormais verificados experimentalmente, ou que se produziram espontaneamente depois do movimento espiritualista até os nossos dias, assim como todas as teorias, todas as hipóteses que se têm imaginado até aqui para explicar os fatos; todas as argumentações excelentes, boas, medíocres, sofísticas, absurdas que se têm formulado a respeito.      Com este aparato formidável para a ofensiva e para a defensiva, não temo quem quer que seja, e me considero seguro para para demolir, aniquilar, pulverizar todas as hipóteses, todas as objeções, todos os sofismas da dialética contrária. E digo "dialética", porque não se pode tratar de fatos: os fatos estão ao meu lado, e a este respeito eu sei o que digo; ninguém pode saber melhor do que eu porque, sem nenhuma vaidade, nenhuma pessoa fêz o que eu fiz.      
     
     Os textos citados acima eu os respiguei dos seguintes livros: "Animismo ou Espiritismo?", e "Autobiografia" (do próprio Bozzano), "Silva Mello e os Seus Mistérios" (de Sérgio Valle), e "Os Simples e os Sábios" (de Pedro Granja).
     
     Vejamos, entre as centenas de trabalhos escritos pelo pensador italiano, aqueles já traduzidos para a nossa língua, até o momento presente, se o meu modesto conhecimento não me leva a omissões:

-- Cinco Excepcionais Casos de Identificação de Espíritos
-- A Propósito da Obra "Psicologia e Espiritismo", do Prof. Enrico Morselli
-- Fenômenos Premonitórios
-- Fenômenos de Assombramento (*)
-- Enigmas da Psicometria  
-- Fenômenos de Telestesia
-- Fenômenos Psíquicos no Momento da Morte
-- A Alma nos Animais
-- Comunicações Mediúnicas Entre Vivos 
-- Povos Primitivos e Manifestações Paranormais
-- Notáveis Intuições Filosóficas e Científicas entre os Selvagens Africanos
-- A Propósito da Introdução à Metapsíquica Humana
-- Pensamento e Vontade
-- A Crise da Morte
-- Literatura de Além-Túmulo
-- Fenômenos de Transporte
-- Xenoglossia
-- Fenômenos de Bilocação
-- Breve História dos "Raps"
-- Marcas e Impressões Paranormais de Mãos de Fogo
-- Fenômenos de Transfiguração
-- Materializações de Espíritos em Proporções Minúsculas
-- Remontando às Origens
-- Visão Panorâmica ou Memória Sintética na Iminência da Morte
-- Telepatia, Telemnésia e a lei da Relação Psíquica
-- Experiências Espíritas de um Ministro da Igreja Anglicana
-- Cérebro e Pensamento
-- Gemas, Amuletos e Talismãs
-- Animismo ou Espiritismo? Qual Deles Explica os Fatos?

(*) Obra traduzida pelo "site"  http://www.autoresespiritasclassicos.com
     Nesse site, há duas outras obras de Bozzano em vias de tradução:
     "Guerra e Profecia" e "Os Mortos Retornam".
     
     Para finalizar, faço minhas as palavras do grande filósofo e cientista italiano, refutando o psiquista francês, materialista, René Sudre, na sua obra "A Propósito da Introdução à Metapsíquica Humana":
    
     "Se outra é a opinião de Sudre
(e de seus adeptos materialistas - obs. minha) a tal respeito, é que certamente dispõe de elementos que a justifiquem e então fácil lhe será achar uma explicação natural para todos os casos de que tratam alguns dos meus trabalhos, competindo-lhe refutar, uns após outros, todos os argumentos por mim apresentados em favor da sua gênese indiscutivelmente espírita. Uma explicação natural, repito, para a todos os casos de que tratam alguns dos meus trabalhos, e não para dois ou três casos, escolhidos a dedo, e que se prestem a "exercitações" sofísticas. Espero que os meus contraditores não emudeçam, mas que venham contestar-me no terreno dos fatos, pois sinto-me em condições para responder em todas as circunstâncias, graças, é certo, não ao meu mérito, mas à qualidade da causa que defendo.


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