quarta-feira, 19 de junho de 2013

88) Universo Consciente? (Artigo do físico brasileiro Marcelo Gleiser para a "Folha de São Paulo")

Marcelo Gleiser

Universo Consciente? - Marcelo Gleiser

Entre os vários mistérios da física contemporânea, poucos se comparam à existência de não localidade na física quântica. Não localidade significa que interações entre entidades separadas podem ocorrer instantaneamente. É como se o espaço e o tempo não existissem!

Quando uma bo
la vai ao gol ou uma gota de chuva cai, existe um efeito local por trás: o chute, a nuvem carregada. No mundo quântico, dos elétrons e fótons --as partículas de luz--, efeitos podem ocorrer sem causa local, algo de que tratei na coluna do dia 28 de abril.

Tudo começou em 1926, quando Schrödinger obteve sua equação de onda descrevendo as órbitas do elétron em torno do núcleo atômico.

Era claro que o elétron não podia ser visto como uma mera partícula; já se sabia da "dualidade partícula-onda", na qual objetos podem ser tanto localizados como partículas quanto espalhados como ondas.

Schrödinger supôs que a onda fosse o próprio elétron ou sua carga elétrica espalhada em torno do núcleo, feito um borrão. Logo ficou claro que essa onda não era de matéria mas de probabilidade: a equação dava a probabilidade de o elétron ser encontrado aqui ou ali. Pior, quando sua posição era medida, a onda entrava em colapso instantaneamente em um ponto -onde estava o elétron. A ação à distância retorna!

O efeito piora quando temos um par de elétrons girando em sentidos opostos. Separando-os e invertendo a direção de um, o outro inverte a sua também de modo que ambos mantenham seu giro oposto.

O incrível é que isso ocorre instantaneamente, a qualquer distância! Einstein ficou horrorizado com isso, chamando o efeito de fantasmagórico. Pudera, havia-o exorcizado uma vez na gravidade e queria fazê-lo na física quântica.

Mas ele e outros não conseguiram isso: efeitos "não locais" são parte do mundo quântico, confirmados experimentalmente. O significado disso está em aberto. "Yo no creo en las brujas, pero que las hay, las hay."


Imagine gêmeos, um em São Paulo e outro em Manaus. Entram num bar, um em cada cidade. Se o de São Paulo pede pinga, o de Manaus pede chope. Se o de São Paulo pede chope, o de Manaus pede pinga. Isso ao mesmo tempo, como se soubessem o que o outro pediu. Como é possível, dado que estão longe e não podem se comunicar?

Essa sincronicidade, se não com gêmeos, foi verificada entre pares de partículas em experimentos à distância que comprovam que a correlação é mais rápida do que a velocidade da luz.

Imagino que muitos leitores estejam pensando na premonição, na sincronicidade junguiana etc.

Lembro que o cérebro humano e os pares de fótons são "sistemas" bem diferentes. Mas cientistas sérios, como o vencedor do Nobel Eugene Wigner e seu colega de Princeton John Wheeler, se questionaram sobre o papel da mente na física.

Quando medimos algo usamos um detector. Não temos contato direto com um elétron. Sua existência é registrada quando interage com o detector e ouvimos um clique ou vemos um ponteiro mexer.

Na interpretação "ortodoxa" da física quântica, é essa interação que determina a existência da partícula: antes da medida, não podemos nem dizer que a partícula existe.

Wigner e Wheeler acham que, sem um observador, essa medida não faz sentido; foi o observador que montou o detector. A existência da partícula depende de interação com a consciência humana: mais dramaticamente, a consciência determina a realidade em que vivemos.

Wheeler imaginou um experimento no qual uma partícula passa por um anteparo com dois orifícios e vai de encontro a uma tela móvel. Atrás dela, há dois detectores alinhados com os orifícios. Se a tela é retirada, os detectores acusam por qual orifício a partícula passou.

Porém, no mundo quântico, partículas podem agir como ondas. Ondas passando por dois orifícios criam padrões de interferência, estrias claras e escuras.

Portanto, duas opções: com tela vemos interferência, sem tela vemos detecção de uma partícula.

Wheeler sugeriu que a tela fosse retirada após a partícula ter passado pelo anteparo. Por meio da sua escolha, o observador cria a propriedade física da partícula agindo retroativamente no tempo! O incrível é que a previsão de Wheeler foi confirmada. Observador e observado formam uma entidade única que existe fora do tempo.

Wheeler extrapolou: "Não somos observadores no Universo, somos participadores. Sem consciência, o mundo não existe! O Universo gera a consciência e a consciência dá significado ao Universo". Essa visão traz o dilema: será que o Universo só faz sentido porque existimos?


 Obs. minha: excelente artigo do conceituado físico brasileiro Marcelo Gleiser. Uma transmissão não local só pode ocorrer fora do nosso mundo espaço-temporal, uma vez que, nesse mundo, que é aquele em que vivemos, as transmissões obedecem à barreira da velocidade da luz, segundo a teoria da relatividade de Einstein. Logo, como a nossa consciência, que realiza o experimento, é quem vai determinar, instantaneamente (isto é, de modo não local), com que características objetos quânticos vão se apresentar (partículas ou ondas), devemos possuir uma forma de consciência não local, extra-cerebral, pertencente ao nosso verdadeiro "eu", o "eu integral subconsciente" (expressão de Bozzano), o "eu transcendente" (expressão de Aksakof), ou o "eu subliminar superior" (expressão de Myers), que sobrevive à morte do corpo. Gleiser, evidentemente, não foi até lá, mas o físico quântico Amit Goswami foi (ver o seu livro "O Universo Autoconsciente").


87) O panteísmo espiritualista do Dr. Geley

     Em primeiro lugar, falemos do panteísmo. Como todos sabem, é uma filosofia cuja base é a crença de que o Princípio Único, Essência Cósmica (ou Energia Cósmica), ou Substância Divina, que criou o universo, não está fora, mas dentro do mesmo, estando o universo imerso na Substância Divina. Tudo o que nele existe (matéria, energia, vida, etc.) seria fruto das transformações ou condensações progressivas dessa Substância Divina. Tudo sai dela para, evos (bilhões de anos) mais tarde, voltar a ela. Animais e homens conteriam, entretanto, no seu interior, uma centelha dessa Essência Cósmica, aqueles sob a forma de instinto, e estes sob a forma de consciência ou razão.
     O panteísmo materialista, do qual, na era moderna, os expoentes máximos são os filósofos alemães Arthur Schopenhauer (1788-1860), com sua obra "O Mundo Como Vontade e Representação", e seu continuador, Eduardo von Hartmann (1842-1906), com seu livro "A Filosofia do Inconsciente", o panteísmo materialista, dizia eu, crê que a fagulha divina que existe nos animais e no homem, uma vez golpeados pela morte, reintegra-se à Substância Divina que a gerou, perdendo, pois, a sua consciência e individualidade. Sua duração é efêmera, do nascimento ao falecimento. 
     O panteísmo espiritualista, ao contrário, postula a ascensão ininterrupta e progressiva da fagulha divina, desde o seu estado potencial, no mineral, subindo, ao longo dos evos, pelos reinos vegetal, animal e hominal, animando inumeráveis formas evolutivas, plasmando-as como meio de sua própria ascensão, aproximando-se cada vez mais da Essência Cósmica de onde proveio, até que, no ápice da evolução, reintegre-se a Ela, sem perder a sua individualidade.
      
     O Dr. Gustave Geley foi um médico francês, doutor em medicina pela universidade de Lyon, clínico-geral do hospital de Annecy, fundador e diretor do Instituto Metapsíquico Internacional; sua grande obra "De l'Inconscient au Conscient" ("Do Inconsciente ao Consciente") é um esboço de uma filosofia científica global que procura dar conta dos problemas inerentes à psicologia humana, nos seus aspectos normal, anormal (patológico) e paranormal (metapsíquico), e busca trazer uma explicação lógica dos inúmeros pontos de interrogação que permeiam a teoria transformista darwiniana da evolução das espécies. Como a obra citada não possui tradução para a língua portuguesa, tentarei fazer uma tradução livre da edição em espanhol que possuo. Citarei apenas alguns excertos que me parecem importantes para o tema em apreço.
      
     As dificuldades capitais do transformismo clássico são em número de cinco. Vejamos a enumeração: 
1ª) Os fatores clássicos são impotentes para dar a compreender a origem das espécies.
2ª) Os fatores clássicos são impotentes para dar a compreender a origem dos instintos. 
3ª) Os fatores clássicos são incapazes de explicar as transformações bruscas criadoras de novas espécies.
4ª) Os fatores clássicos são incapazes de explicar a "cristalização" imediata e definitiva dos caracteres das novas espécies ou dos novos instintos -- o fato de que esses caracteres, em suas grandes linhas, adquirem-se muito rapidamente, e, uma vez adquiridos, ficam praticamente imutáveis, ou mudam muito pouco ao longo do tempo.
5ª) Os fatores clássicos são impotentes para resolver a dificuldade geral de ordem filosófica relativa à evolução, que, do simples, faz surgir o complexo, do menos ( - ), o mais ( + ).
     Estudemos, sucessivamente, estas cinco dificuldades essenciais.
                                                             ( x ) 
     As duas bases, os dois postulados primordiais da filosofia que vamos expor e sustentar, são os seguintes:
I. O que há de essencial no indivíduo é um dínamo-psiquismo, emanação do Princípio Único (ou da Substância Divina), primitivamente inconsciente, mas tendo em si todas as potencialidades. As aparências diversas e inumeráveis das coisas são apenas objetivações do dínamo-psiquismo máximo, isto é, do Princípio Único.
II. O dínamo-psiquismo essencial e criador dos seres vivos passa, pela evolução, do inconsciente ao consciente.                                                                    
                                                              ( x )
     A evolução coletiva, como a evolução individual, pode resumir-se desta forma: passagem do inconsciente ao consciente.
     No indivíduo, o Ser aparente, submetido ao nascimento e à morte, limitado em suas capacidades, efêmero em sua duração, não é o Ser real; é apenas a objetivação ilusória, atenuada e fragmentária. O Ser real, aprendendo pouco a pouco a se conhecer a si mesmo e a conhecer o Universo, é a fagulha divina a caminho de realizar sua divindade, infinita em suas potencialidades.
     No Universo observável, as diferentes aparências das coisas são apenas a objetivação ilusória, atenuada e restrita, da unidade divina, realizando-se em uma evolução indefinida. A constituição dos mundos e dos seres é apenas, também, a realização progressiva da consciência eterna, do Princípio Único, pela multiplicação progressiva de criações temporais ou objetivações.
                                                                   ( x )      
     Que importa, então, a morte? Não destrói senão uma aparência, uma objetivação temporal. A individualidade verdadeira, indestrutível, conserva e assimila todas as aquisições da personalidade transitória; depois, banhada de novo pelas águas do "rio Lete", materializa uma nova personalidade e continua sua evolução indefinida. Sim, isto é o que nos ensina claramente a natureza, e a natureza não mente nunca!
Obs.: Texto extraído do livro "Del Inconsciente al Consciente", Ediciones Cima, Caracas, Venezuela, 1995.     
     
     Os textos que se seguirâo foram retirados de dois livros do Dr. Geley: "O Ser Subconsciente" (ed. FEB, 1974) e "Resumo da Doutrina Espírita" (ed. LAKE, 1975), fazendo algumas adaptações. Tais livros foram os primeiros escritos pelo Dr. Geley, enquanto "De l'Inconscient au Conscient" foi um dos últimos.
     
     A evolução, base da doutrina panteísta, o é também da palingenesia (reencarnação). Por outro lado, contrariamente à banal e tão propalada opinião, as esperanças de imortalidade individual não são logicamente conciliáveis senão com o panteísmo, porque, segundo o argumento de Schopenhauer, não se pode conceber como infinito senão o que não teve começo, e como imortal senão o que não foi criado. Finalmente, sentimo-nos tanto mais conduzidos ao panteísmo quanto a hipótese de uma divindade exterior ao Universo nos aparece, na doutrina palingenésica, tão inútil do ponto de vista idealista quanto do ponto de vista criador.
     Podemos, então, adotar o logicamente o panteísmo, mas, sob a condição de que fique claro que nos colocamos no campo das hipóteses e que os sistemas concebidos sobre essa base, guardando inteiramente um caráter racional e verídico, ainda não derivam da filosofia científica propriamente dita.
     Se partimos da noção de um Princípio Único, Essência Cósmica ou Substância Divina, origem e fim de tudo, para tentar uma explicação completa do Universo, imediatamente nos encontramos em presença de capital dificuldade: esse Princípio Único não é mais compreensível do que o Deus pessoal e criador da maioria das religiões, que cria e permanece fora do Universo, sendo, portanto, limitado e finito. Infelizmente, o infinito, o absoluto, não são acessíveis à nossa inteligência finita. Só podemos conceber o absoluto de uma forma limitada.
     Sob as inumeráveis aparências das coisas, não vemos mais que objetivações, ou seja, parcelas condensadas do Princípio Único. Depois de um processo criador, ou de involução, a centelha divina, emanação individualizada do Princípio Único, acha-se em estado potencial no mineral. A evolução poderá, assim, ser considerada como a transposição de energias potenciais em energias realizadas: a aquisição da consciência será seu propósito e seu fim.
     Terminada a evolução, a centelha divina situada no interior dos seres vivos, imortal, individual, desenvolveu suas potencialidades e adquiriu a consciência que a todos resume. Mas a noção de sua individualidade não se perdeu; a consciência individual, realizada durante a evolução faz, naturalmente, parte da consciência total. Apenas, chegada ao máximo, cada consciência individual funde-se na consciência total, fazendo parte da mesma.


                                                             ( x )
     Segundo a Doutrina Espírita, o estado de desencarnação constitui uma espécie de produto sintético dos elementos diversos das personalidades anteriores. A diversidade cede lugar à unidade.
     Já não há órgãos diversos e múltiplos, mas um só organismo homogêneo. Já não há sentidos especiais, mas um sentido único que os condensa todos. Já não existem, enfim, diversas faculdades, mas uma só faculdade que as engloba todas: a consciência, mais ou menos extensa e mais ou menos livre, conforme o grau de adiantamento do ser. Em resumo: o espírito desencarnado é provido de um organismo homogêneo, com um sentido único, e desfruta de extensão variável de consciência, de liberdade e de amor (amor tomado em sentido amplo e que, à falta de melhor termo, teria a significação de capacidade afetiva e emotiva).
     Por consequência, se compararmos as duas fases sucessivas da existência do ser, diremos: A desencarnação é um processo de síntese, síntese orgânica e síntese psíquica. A encarnação é um processo de análise.
     Esta é a subdivisão da consciência em faculdades diversas, e do sentido único em sentidos múltiplos, para facilitar o seu exercício e conduzir ao seu desenvolvimento.

Obs. minha - já dizia "o grande mestre da ciência da alma", Ernesto Bozzano, em sua monografia "Pensamento e Vontade" (ed. FEB, 1991), sobre o panteísmo: É preciso reconhecer que, do ponto de vista filosófico, o sistema panteístico-espiritualista afigura-se o mais convinhável para interpretar, de modo acessível, às nossas inteligências finitas, o grande mistério do Universo.