domingo, 1 de janeiro de 2012

73) O magistral prefácio de Lombroso ao seu último livro "Pesquisas sobre os Fenômenos do Hipnotismo e do Espiritismo"

        "Quando -- ao término de uma jornada rica, senão de vitórias, certamente de veementes pugnas em prol das novas correntes do pensamento humano, na Psiquiatria e na Antropologia Criminal -- iniciei, primeiramente as pesquisas e depois a publicação de um livro sobre os fenômenos ditos espiríticos, surgiram, hostis, de todos os setores, os próprios amigos mais diletos a gritarem":
     "Quereis desfigurar um nome honrado, uma carreira, que depois de tantas lutas, já chegara finalmente à meta, e isso por uma teoria que todo mundo não só repudia, mas, o que é pior, despreza, e acha ridícula?"
     "Pois bem: tudo isso não fêz hesitar, um só instante, em prosseguir nesse caminho iniciado; senti-me, ao contrário, mais deliberadamente impulsionado, pois me pareceu fatal coroar uma existência que viveu na busca de novos ideais, combatendo em prol da ideia mais hostilizada e, talvez, mais escarnecida do século; pareceu-me um dever o encontrar-me, até o último dos meus já agora contados dias, exatamente onde surgem mais ásperos os obstáculos e mais encarniçados os adversários."
     "Bem sei que também estes não fariam agravo, pois, também eu, não há muito, estava entre eles, e dos mais implacáveis, porque concebidos como eram, pela maioria, os fenômenos espiríticos parece quererem abater o grande conceito do Monismo, que é um dos frutos mais preciosos da moderna cultura, e porque, ante a precisão, a continuidade dos fenômenos experimentais, sempre idênticos a si mesmo no tempo e no espaço, e sempre coerentes entre si, -- as observações e experiências espiríticas, frequentemente variáveis segundo os métodos, conforme as horas do dia e a disposição de ânimo dos assistentes, por muito repetidas e controladas por aparelhos de precisão científica, e embora joeiradas por experimentadores severíssimos (e bastaria enumerar Morselli, De Vesme, Brofferio, Sidgwick, Gurney, Myers, Podmore, Crookes, Richet, Lodge, Barrett, William James, Hyslop, Hodgson, Russel Wallace, Bottazzi, De Rochas, Herlitzka, Foà, D'Arsonval, Robert Hare, Dale Owen, Aksakof, Boutlerow, Zöllner, Ochorowicz, Du Prel, Flournoy, Gibier, Geley, Erny, Bozzano, Flammarion, etc.) -- têm sempre aquele aspecto de incerteza, de imprecisão, das velhas observações medievais."
     "Mas se cada um desses fenômenos nos pode ser ou parecer incerto, o conjunto de todos forma um compacto mosaico de provas resistentes aos ataques da mais severa dúvida; e agora, tal qual antes, o também grande princípio que diz -- não há função sem órgão, nem manifestação de energia sem perda de substância -- acha nos estudos da radioatividade uma pelo menos aparente exceção."
     "Nem com as novas conclusões espiríticas vêm abater-se as leis principais do monismo, pois ainda que reduzindo-se à matéria fluídica ou energética, que é visível e palpável apenas em algumas circunstâncias especiais, -- a alma continua a pertencer ao mundo da matéria, e assim, pela primeira vez, aparece conciliada a observação científica com aquela, multiplicada no tempo e no espaço, desde os povos mais antigos e selvagens aos mais civilizados, cristalizada por último na lenda religiosa, isto que, senão pela qualidade, certamente pela quantidade e uniformidade dos sufrágios, lhe confere uma autoridade igual, senão superior, ao pensamento dos grandes cientistas."
     "Por isto, nestas pesquisas, situei-me distante de toda teoria: desejei que esta surgisse espontânea, no ânimo do leitor, do mosaico dos fatos solidificados pela autoridade emanada do consenso geral de todos os povos."
     "De resto, depois de tudo isso, não pretendemos possuir a certeza absoluta: a hipótese espirítica surge, depois de tão fatigantes pesquisas, tal qual aqueles imensos espaços oceânicos, dos quais se vê emergir, aqui e ali, ilhotas mais elevadas, que só ao julgar do geógrafo dão a resultante do antigo continente, enquanto o vulgo ri da sua hipótese, aparentemente audaz."
     "Antes de fechar esta página, envio os mais vivos agradecimentos aos que me ajudaram com auxílio e colaboração: profs. Marzorati, Ochorowicz, Imoda, Richet e De Vesme."
                              
         Cesare Lombroso.
     (Trad. de Almerindo Martins de Castro).