segunda-feira, 27 de abril de 2015

109) A filosofia hinduísta

O Ouroboros da Antiguidade

     Escreve o grande vulgarizador científico, médico e cientista judeu-alemão, Dr. Fritz Kahn (1888-1968):     
     "Jamais foi elaborada uma doutrina, abrangendo a ciência e a ética, como a filosofia dos antigos indianos. Schopenhauer celebrou a tradução dos Upanixades como o maior acontecimento espiritual do século dezenove."
     "Os hindus imaginam o mundo repleto de uma energia cósmica primária, a que chamam "Brama", que tem, no pensamento deles, o mesmo significado que Deus no Velho Testamento. O que se segue deve ser lido não uma, mas três vezes e lentamente, de viva voz, pois é o que de mais belo foi dito acerca da essência do universo:"
      
     "No princípio não havia nem o ser nem o não-ser. Não existia o ar, nem o céu sobre ele; não existia a água, nem as alturas, nem os abismos. Ainda não havia diferença entre o dia e a noite, nem entre a vida e a morte. Era escuro, e a escuridão ocultava o o princípio da criação. Só um existia, e nada além dele: Brama. Mas ele ainda não tinha nenhum movimento. Nem os deuses* existiam ainda, pois os deuses só mais tarde chegaram ao mundo. Por isso, ninguém conhece a origem de Brama, nem os deuses a conhecem. Mas foram os sábios** que descobriram a relação entre o ser de agora com o não ser de outrora."
     "Invisível é, ó Brama, e, todavia, está em toda parte. A mão não pode contê-lo, mas ele tudo abrange. Não pode ser visto, mas é dele que vem a luz. Ninguém o pode sentir, mas todo sentir dele provém. Por transformações sucessivas, dele nasce tudo o que existe e acontece, mas ele permanece sempre o mesmo. Nada o surpreende, e nenhuma palavra diz, seja a que respeito for. Tudo vê e tudo permite que aconteça. Tudo criado por ele é inquietação, mas ele mesmo permanece tranquilo. Assim como todas as coisas dele surgiram, assim a ele todas regressam***; por isso é paciente e tranquilo."
(Fritz Kahn, O Livro da Natureza, vol. 1, Edições Melhoramentos, 1966, págs. 25 e 26).

Observações minhas:

-- *A palavra deuses indica, no caso, a geração dos primeiros espíritos criados por Brama, antes da criação do mundo. (Uma possível explicação para este "perturbador mistério", como dizia Bozzano, sem nenhuma pretensão de infalibilidade, pode ser encontrada nos 7 primeiros artigos deste modesto blog).

-- **Os sábios de que fala o texto eram os estudiosos da "doutrina secreta", os iniciados nos mistérios dos templos da Índia e dos povos antigos. A esse respeito diz Léon Denis: "Levantando-se o véu exterior e brilhante que ocultava às massas os grandes mistérios, penetrando-se nos santuários da ideia religiosa, verificamos que as formas materiais, as cerimônias extravagantes dos cultos tinham por fim chocar a imaginação do povo. Por trás desses véus, as religiões antigas apareciam sob aspecto diverso, revestiam caráter grave e elevado, simultaneamente científico e filosófico. Seu ensino era duplo: exterior e público de um lado, interior e secreto de outro, e, neste caso, reservado somente aos iniciados. (...) Todos os ensinos religiosos do passado, o Bramanismo na Índia, o Hermetismo no Egito, o Politeísmo grego, o próprio Cristianismo em sua origem, têm uma ligação oculta, porque em sua base se encontra uma só e mesma doutrina, transmitida de idade em idade, a uma série ininterrupta de sábios e pensadores." (Léon Denis, Depois da Morte, ed. FEB, 1958, págs. 13 e 14).
     
     Por sua vez, Gabriel Delanne escreve: "No Evangelho de S. João, um senador judeu, o fariseu Nicodemos, pede a Jesus explicações sobre o dogma da vida futura. Jesus responde: Em verdade, em verdade te digo, ninguém verá o reino de Deus se não nascer de novo."
     "Nicodemos, perturbado por esta resposta, porque a tomou em seu sentido material, indagou: -- Como pode um homem nascer sendo velho? Pode, porventura, entrar no seio de sua mãe e nascer segunda vez? Jesus respondeu: -- Em verdade, em verdade te digo, que se alguém não nascer da água (obs. minha: água era, para os antigos, o elemento gerador da matéria, como se depreende das palavras iniciais do Gênesis bíblico) e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus. Não te maravilhes de te dizer que é necessário nascer de novo: o espírito sopra onde quer e ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem nem para onde vai. (...)
     -- Como pode ser isto? Jesus respondeu: -- Como? Tu és mestre em Israel e ignoras isto?
     "Esta última observação do Cristo mostra bem que ele se surpreendeu não conhecesse um mestre em Israel a doutrina reencarnacionista, porque ela era ensinada como doutrina secreta aos intelectuais da época."
(Gabriel Delanne, A Reencarnação, ed. FEB, 2006, pág. 27).

Nota: Para maior esclarecimento, ver o livro "Os Grandes Iniciados", de Édouard Schuré.

-- ***Esta ideia de que Brama é tudo, e que tudo sai dele para mais tarde voltar a ele, formando um ciclo completo que se abre e fecha sobre si mesmo, como a serpente que se dobra em círculo e morde o próprio rabo (o Ouroboros da Antiguidade, que simboliza o ciclo completo das coisas, o Eterno Retorno), convalida a teoria de Deus-Energia Cósmica do filósofo Ernesto Bozzano, e sua concepção panteístico-espiritualista do Universo, como a mais convinhável para explicar o grande enigma da existência do mesmo. (Ver artigos 8, 9, 10 e 11 deste blog).
     
     Para finalizar, um ponto importante da filosofia hinduísta, de a sabedoria consistir no fato da criatura pairar acima dos acontecimentos da existência, quer bons, quer ruins (Fritz Kahn, obra citada, pág. 26):

Se a posse de um mundo perdeste,
Não sofras por isto... não importa!
Se a posse de um mundo ganhaste,
Não te alegres por isto... não importa!
Passam as dores e os prazeres,
E tu pelo mundo passas... não importa!

Nenhum comentário:

Postar um comentário