O caso citado abaixo foi investigado, com todo cuidado, por 3 investigadores da Society of Psychical Research (S.P.R.) inglesa (dentre os quais Myers), que conversaram longamente com as testemunhas do fato, convencendo-se da perfeita correção e honorabilidade delas, fazendo um relatório completo do mesmo, relatório que foi publicado originalmente no volume VI, pág. 26, dos "Proceedings of the S.P.R.". Posteriormente, o caso foi citado por Flammarion ("A Morte e o Seu Mistério", vol.3), e Bozzano ("Animismo ou Espiritismo?"). A percipiente e relatora - Sra. P - não quis fossem publicados os nomes dos protagonistas e os motivos ressaltarão da exposição dos fatos. Eis o que narrou, em síntese:
"Casada em 1867, minha vida foi tranquila e feliz até o fim de 1869, quando a saúde do meu marido se alterou, tornando-se de gênio irritável. A todas as minhas perguntas, ele respondia evasivamente, dizendo-me que eu estava a fantasiar, que ele sentia muito bem. Desisti então de importuná-lo. Na véspera do Natal, pelas 21h30min, meu marido se deitara, deixando aceso o lampião, porque eu ficara um instante perto do berço de minha filhinha, que contava então 15 meses. De repente, com grande espanto meu, vi um homem fardado de oficial da Marinha, com um boné de pala sobre a cabeça. Para mim, seu rosto ficava na sombra, mesmo porque apoiava o cotovelo na cabeceira da cama, sustentando a cabeça com a mão. Perguntei-me a mim mesma quem poderia ser esse homem; toquei meu marido no ombro, pois ele estava voltado para o lado oposto, e murmurei-lhe: -- Willie, quem é este homem? Ele virou-se, olhou estupefato o intruso, depois, levantando-se de repente, gritou-lhe: -- Senhor, que vem fazer aqui?
A forma se alçou lentamente, depois, com voz imperiosa e descontente, exclamou: -- Willie! Willie! Olhei meu marido. Tornara-se lívido e na maior agitação; levantou-se da cama para, aparentemente, interceptar o intruso, mas imediatamente estacou, ficou perplexo e espantado, enquanto a forma atravessava o quarto, impassível e solene, dirigindo-se em linha reta para a parede. Quando passou diante do lampião, uma sombra escura projetou-se na parede e sobre nós mesmos, como se fosse uma pessoa viva; apesar disso, o fantasma desapareceu de maneira misteriosa através da parede. Meu marido, sempre agitado, tomou o lampião, dizendo: -- Quero percorrer a casa e ver onde ele foi.
Eu estava também muito agitada; entretanto, lembrando-me de que a porta estava fechada e que o misterioso visitante não se tinha dirigido para aquele lado, observei: -- Mas ele não saiu pela porta!
Todavia, meu marido puxou os ferrolhos, abriu a porta e foi revistar a casa. Tendo ficado sozinha no escuro, eu pensava: -- Vimos uma aparição. Que anuncia ela? Talvez meu irmão Artur esteja doente (era oficial da Marinha e estava de viagem para a Índia). Sempre ouvi dizer que essas coisas acontecem.
Estava a refletir, apertando nos braços minha filhinha, que acordara, quando vi voltar meu marido, mais lívido e agitado do que nunca. Sentou-se à beira do leito, passou-me o braço pelos ombros e murmurou: -- Sabes quem vimos? -- Sim, respondi eu, um espírito; receio que se trate de Artur, mas não lhe pude ver, com nitidez, o rosto. Ele respondeu: -- Não, não era Artur, ERA MEU PAI !
O pai de meu marido falecera havia 14 anos; quando moço, fora oficial da Marinha, depois, por motivos de saúde, tivera de abandonar a carreira antes do nascimento de meu marido, e este só o vira fardado uma ou duas vezes. Quanto a mim, não o conheci. No dia seguinte, contamos o caso a nossos tios, e todos pudemos notar que a agitação do meu marido não se acalmava, embora fosse cético feroz com referência a manifestações que parecessem sobrenaturais.
À medida que os dias se passavam, ele ia se alimentando menos e emagrecendo, até que teve de se acamar, bastante doente. Foi somente a partir desse momento que me pôs gradualmente a par do seu segredo. Desde algum tempo, estava em grandes dificuldades financeiras; e quando lhe apareceu o pai, ele estava a ponto de se deixar levar pelos maus conselhos de um homem que o teria levado à total ruína, ou a coisa pior ainda. É por isso que tenho de me conservar reticente ao falar do sucedido. Por tudo quanto pude verificar pelos acontecimentos que se seguiram, aquele foi um aviso providencial, trazido ao meu marido, por meio da voz e da fisionomia daquele que mais venerara em vida e ao qual, unicamente, teria obedecido."
O marido da narradora respondeu ao inquérito promovido pela S.P.R.:
"Nada tenho a acrescentar à narração de minha mulher; é rigorosamente exata e os fatos ocorreram exatamente como ela os descreveu. Empenho nisto minha palavra de honra."
Obs. minha: a hipótese telepática ainda poderia ser invocada, em desespero de causa, pelos materialistas empedernidos, afirma Ernesto Bozzano, mas, neste caso, seria necessário supor que o marido da narradora, estando prestes a se meter numa empresa lesiva da sua honra, houvesse pensado intensamente na memória honrada do pai, provocando uma correspondente alucinação telepática em sua mulher que, a seu turno, atraindo-lhe a atenção para o campo da sua objetivação, lha teria retransmitido, de sorte que ele, presa de remorso à vista do fantasma paterno, houvera sido vítima de uma complementar auto-alucinação verbal, através da qual o mesmo fantasma lhe redarguia, em tom imperioso e descontente, auto-alucinação verbal que ele teria retelepatizado para a mulher. Ora, convenhamos, diz o filósofo italiano, trata-se de uma explicação tão fantástica, contorcida e absurda, que qualquer pessoa sensata se recusaria a admiti-la.
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