quarta-feira, 3 de abril de 2019

121) Povos primitivos e fenômenos paranormais (3)

     Com a palavra "o grande mestre da ciência da alma", Ernesto Bozzano, em sua obra já citada na primeiro artigo desta trilogia:
     
     Chegou o momento de abordar as teorias que os antropólogos propuseram para explicar como a crença na existência e sobrevivência do espírito humano, entre os povos selvagens, teve origem num complexo de observações rudimentares, tendo relação com a vida comum, observações que aqueles povos teriam interpretado de modo errôneo e infantil.
     A título de síntese preliminar, passo a expor, de modo adequado, o pensamento dos hodiernos antropólogos, a fim de que os leitores se encontrem em condições de formular, a respeito, um juízo independente. Tudo isso em homenagem às regras da severa imparcialidade a que se deve submeter toda discussão científica.
     Como os pontos de vista dos antropólogos e sociólogos difere unicamente em particularidades secundárias sobre a tese propugnada, limitar-me-ei a citar um dos maiores entre eles: Herbert Spencer. Este, em seus 'Princípios de Sociologia', esforça-se para demonstrar, com argumentação sutil mas pouco convincente, que o selvagem, "que não tem nenhuma ideia de uma causa física, chega necessariamente à conclusão de que uma sombra é um ser real, pertencente, seja como for, à pessoa que a projeta". Dá, assim, uma primeira noção sugestiva da existência de um espírito capaz de separar-se do corpo, noção que seria fortalecida por outro fato análogo, do reflexo da própria imagem na água.
     Ele escreve: "As imagens refletidas geram uma crença confusa e talvez inconsistente, mas que, contudo, não deixa de ser uma crença, segundo a qual todo indivíduo teria um 'duplo', comumente invisível, mas que se pode perceber indo para as margens da água e olhando nela". 
     Essa crença seria confirmada posteriormente pelo fenômeno do eco.
     Prossegue Spencer: 
     "O homem primitivo nada poderia conceber sobre o que se assemelhasse a uma explicação física do eco. Que sabia ele sobre a reflexão das ondas sonoras? Se não fosse pela ciência, que transformou nossas ideias sobre a causa dos fenômenos naturais, hoje em dia talvez se explicasse o eco atribuindo-o à ação de um ser invisível".
     E a mesma crença estaria mais do que reforçada pela experiência dos sonhos. Ele refere:
     "Testemunhas observaram que uma pessoa, quando dormia, jazia em completo repouso. Não obstante, ao despertar, lembrava-se de acontecimentos havidos durante o sono, e os narra para outros. Lembra-se de ser levada para outro lugar, mas as testemunhas negam e este testemunho se torna válido pelo fato de, a pessoa que sonhou encontrar-se no mesmo lugar onde havia adormecido. Toma então o partido mais simples, que é o de acreditar, ao mesmo tempo, ter permanecido no lugar e ter saído para longe; de possuir, pois, duas individualidades, das quais uma pode abandonar temporariamente a outra, e depois regressar. Portanto, ela mesma possui uma dupla existência como tantas outras coisas".
     Finalmente, da crença na existência de um 'duplo' separável temporariamente do corpo, passa-se à crença de um 'duplo' separável permanentemente. Spencer arremata: "Da crença na ausência comum do outro 'eu' durante o sono, e de sua ausência inusual nos casos de síncopes, apoplexias, estados comatosos, etc., passa-se à crença da sua ausência permanente no momento da morte, quando, depois de um intervalo de espera, se é obrigado a renunciar à esperança de vê-lo retornar. Este foi o prólogo da crença nos "espíritos dos mortos", no sobrenatural, que depois evolveu para uma ideia mais ou menos confusa de um Deus Supremo, e cuja consequência final, posteriormente, veio a ser as diversas religiões que hoje existem no mundo".

     Como resultado das citações expostas, a atilada mentalidade de Herbert Spencer tinha intuído corretamente sobre qual deveria ser a única via da pesquisa capaz de guiar, na prática, para a solução do grande quesito que abordava a gênese da crença na sobrevivência da alma. Mas a lamentável circunstância de não ter concedido valor à fenomenologia paranormal (que já era estudada na segunda metade do séc. XIX), colocou-o na absoluta impossibilidade de alcançar a meta, constrangendo-o a contentar-se com simples induções elementares, facilmente rechaçáveis e literalmente insuficientes para demonstrarem a origem da crença universal da existência e sobrevivência do espírito humano.
     Com tudo o que expus na síntese acima relativamente às teses dos antropólogos, parece-me ter cumprido meu dever de relator imparcial das opiniões alheias. Ora, para todo aquele que tenha noções elementares sobre a pesquisa psíquica, tornar-se-á fácil avaliar toda a espantosa deficiência das investigações antropológicas referidas acima, que não justificam as conclusões elaboradas por aqueles pesquisadores. 
     Com o advento da ciência que estuda, com todo rigor, os chamados fenômenos paranormais (Metapsíquica, hoje Parapsicologia), não é difícil levar a remate a intuição de Spencer. 
     De fato, a Parapsicologia nos mostra que, a par do resultado (bem pouco sugestivo no sentido aqui considerado) dos sonhos comuns, vêm a juntar-se os 'sonhos paranormais', com seus incidentes verídicos de ordem telepática, clarividente, precognitiva e espirítica. Sonhos que se realizavam entre os povos primitivos e selvagens (como atestam os missionários que viveram entre eles), assim como se realizam, hoje, entre os povos civilizados.
     Com a dedução (muito duvidosa, na prática) que a mentalidade de um pobre selvagem tiraria da visão da própria imagem refletida na água, ou da sombra projetada do próprio corpo, vinham a acrescentar-se outras observações eloquentes tendentes a demonstrar a existência real de um 'duplo psíquico', como as aparições de moribundos à distância (e mesmo de viventes), e os fenômenos de desdobramento (ou bilocação). Assim, as conclusões - muito sutis para a mentalidade de um selvagem - favoravelmente à sobrevivência, eles as extraem a partir da observação real de que, se um vivo que desperta do sono, ou de uma síncope, ou de um desmaio, o 'duplo psíquico', depois de afastar-se do corpo (muitas vezes deambulando à distância e mostrando-se a terceiros), acaba por voltar ao corpo, então, o 'duplo' de um morto, que se distancia para não mais retornar, deve, pois, existir em algum lugar. A essas conclusões indiretas, vêm acrescentar-se outras diretas muito mais convincentes, tais como as deduzidas das observações de aparições de mortos, vistos coletiva ou sucessivamente, dos fenômenos de desdobramento no leito de morte, dos casos de assombramento, dos fenômenos de identificação de espíritos em comunicações mediúnicas, e outros mais (a existência de todos esses fatos, entre os povos selvagens, foi demonstrada neste livro).
     Por conseguinte, desta vez achamo-nos efetivamente em presença de uma solução positiva, exaustiva, definitiva, do grande mistério que envolve a origem da crença universal na existência e sobrevivência do espírito humano, depois na concepção, mais ou menos confusa, de uma divindade suprema, e, finalmente, no aparecimento das religiões. Infelizmente, os hodiernos antropólogos faliram na árdua tarefa de indicar os fatos especiais que trariam um bom resultado para orientar a humanidade inteira na solução dessas questões. Se faliram nesse objetivo, não se deve atribuir isso à deficiência de penetração intelectual e de método, mas à circunstância de haverem ignorado a existência daquela classe de fatos que tinham, efetivamente, conduzido os povos da Terra a conclusões unânimes.

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