sexta-feira, 4 de junho de 2010



53)19 Abr 2010
O Lento Caminho do Progresso

Lembro-me de que, em 1961, o então presidente John Kennedy foi obrigado a lançar mão de tropas federais para garantir que dois estudantes negros, aprovados nos concursos, pudessem estudar em Universidades norteamericanas (não me lembro agora quais); houve de tudo: confrontos entre manifestantes brancos e a polícia, bombas de gás lacrimogêneo, feridos, presos, mas, no final, os negros conseguiram adentrar na universidade e terminar o seu curso, embora, no correr do mesmo, tivessem sofrido inúmeros deboches e hostilidades. Pois bem, quem diria, naquela época, que precisamente 47 anos depois, a maioria dos americanos escolheriam um negro para presidente da república? Sim, como dizia o astrônomo Flammarion, o progresso caminha ... com prudente lentidão. (Neste caso, nem se pode dizer que foi com tanta lentidão assim).
Estou me valendo de uma frase que o célebre astrônomo exarou ao fazer um prefácio genial para o livro de M. Sage que, em português, se chamou "Outra Vida?" (hoje raríssimo), editado em 1903 por Laemmert & C. -- Editores (rua do Ouvidor, 66, RJ), livro já por mim citado em artigo anterior. Diz então Flammarion, que escrevia, é bom frisar, em finais do século dezenove:

"As Atas da Sociedade de Pesquisas Psíquicas ficarão na ciência do futuro como uma biblioteca de documentos do maior valor para o conhecimento da alma humana, entidade ainda tão misteriosa hoje como na época em que Sócrates recomendava que nos estudássemos a nós mesmos. Determinamos a posição do nosso planeta no universo, medimos o sistema do mundo, calculamos os pesos dos astros, analisamo-lhes a constituição química, calculamos até as distâncias das estrelas, e -- não nos conhecemos a nós mesmos !"
"Entretanto, parece que é esse o estudo mais importante que poderíamos fazer. Mas há cerca de dois mil anos que somos educados com a idéia de que isso seria uma indagação inútil, perigosa e proibida; diziam-nos: "Nada tendes que ver com isso, profanos, estamos aqui para vos ensinar a verdade que possuímos, que recebemos de Deus em pessoa; a alma nasce com o corpo, mas não morre com ele; é enviada ao inferno, ao purgatório ou ao céu. É muito simples, não vos deis ao trabalho de procurar outra coisa".
"Houve pesquisadores, curiosos, alquimistas, feiticeiros, extratores da quinta essência, que tentaram evocar mortos, e que foram, em grande parte, vítimas de singulares ilusões. Muitos desses investigadores não tiveram grande êxito, e, para prová-lo, a Inquisição queimou-os aos milhares, em todos os países, em Paris como em Roma, em Colonha como em Cadix".
"Os tempos mudaram, mas muito lentamente. Queimaram Giordano Bruno, em Roma, porque ensinava a doutrina da pluralidade dos mundos habitados; não queimaram Galileu porque deu aos seus juízes a honra de lhes confessar que o nosso planeta não se move; não se queima mais ninguém hoje: mas os jornais bem orientados declaram que os únicos sábios verdadeiros são aqueles que vão à missa. Sim, o progresso caminha ... com prudente lentidão".

Recordo que essas citações são, como disse, de finais do 19º século, quando a Igreja Católica ainda era muito obscurantista.


52)19 Abr 2010
O Testamento Científico de um Astrônomo

Este é o testamento científico do astrônomo Jorge Spero (que nunca existiu realmente, sendo um pseudônimo do célebre astrônomo francês Camille Flammarion).

"Quisera deixar, sob a forma de aforismos, o resultado das minhas investigações. Parece-me que não se pode chegar à Verdade senão pelo estudo da Natureza, isto é, pela Ciência. Eis as induções que se me afiguram baseadas nesse método de observação e experimentação".

I
O universo visível, tangível, ponderável e em movimento incessante, é composto de átomos invisíveis, intangíveis, imponderáveis e também em constante movimento.

II
Para construir os corpos e organizar os seres, esses átomos são regidos por forças, que, por sua vez, dão origem aos vários tipos de energia.

III
A Energia é a entidade essencial, pois toda a matéria não passa de energia num alto grau de concentração ou energia congelada, como dizem alguns, embora de uma forma um tanto imprópria.

IV
A visibilidade, a tangibilidade, a solidez, a duração, o peso, são propriedades relativas dos corpos, e não realidades absolutas.

V
Os átomos que compõem os corpos são, para a sensação humana, infinitamente pequenos.
As experiências feitas sobre a laminagem das folhas de ouro mostram que dez mil folhas destas se contêm na espessura de um milímetro. Chegou-se a dividir um milímetro sobre uma lâmina de vidro, em mil partes iguais, e existem infusórios tão pequenos que o seu corpo inteiro, colocado entre duas dessas divisões, não as toca; os membros e os órgãos desses seres são formados por células, estas por moléculas, e estes por átomos. Vinte centímetros cúbicos de óleo estendido sobre um lago, chegam a cobrir 4.000 metros quadrados de superfície, de sorte que a camada de óleo assim espalhada mede um ducentésimo milésimo de milímetro de espessura. A análise espectral da luz revela a presença de um milionésimo de miligrama de sódio em uma chama. As ondas de luz têm um comprimento de onda compreendido entre 4 e 8 décimos milésimos de milímetro, do vermelho ao violeta. Seriam necessárias 2300 dessas ondas para encher um milímetro. Na duração de um segundo, as ondas luminosas visíveis executam setecentos trilhões de oscilacões, cada uma das quais é matematicamente definida. O olfato percebe 1/64.000.000 de miligramas, por exemplo, de gás sulfídrico, no ar respirado. A dimensão dos átomos é de cerca de um décimo milionésimo de milímetro de diâmetro.

VI
O átomo, intangível, invisível, dificilmente concebível para o nosso espírito afeito aos julgamentos superficiais, constitui a única matéria verdadeira, e o que chamamos matéria é apenas um efeito produzido em nossos sentidos pelo movimento incessante dos átomos, isto é, uma possibilidade permanente de sensações.
Daí resulta que a matéria, apesar da sua aparente fixidez exterior, apresenta, no seu interior, a soma de velozes movimentos atômicos; por sua vez, a energia das ondulações luminosas e eletromagnéticas se propagam pelo espaço com a enorme velocidade de 300.000 km/s. Portanto, se todo o movimento cessasse, o universo, qual o conhecemos, deixaria de existir. ( Isto poderia acontecer se a temperatura caísse para - 273°C, ou zero absoluto, a mais baixa temperatura que o universo poderia atingir, o que provocaria a cessação de todo o movimento ).

VII
O universo visível é composto por partículas invisíveis. Quanto se vê, é feito de coisas que não se vêem.
A menor porção de uma substância que ainda conserva as suas mesmas propriedades é chamada de molécula da substância. Em geral, a molécula é constituída de dois, três ou mais átomos do mesmo elemento ou de elementos diferentes. Por exemplo, a molécula da água é composta pela reunião de dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio. Tanto as moléculas quanto os átomos que as constituem estão em constante e perpétuo movimento.

VIII
O que chamamos matéria se esvai quando a análise científica acredita atingí-la. De fato, os espaços interatômicos e intermoleculares são milhares de vezes maiores que as dimensões dos próprios átomos e moléculas. O que dá a matéria a idéia da sua solidez aparente é a enorme velocidade (e, portanto, a energia de vibração das moléculas, átomos e partículas sub-atômicas que a constituem). Não fosse isso e enxergaríamos através da matéria tão facilmente quanto o fazemos através de uma tela de arame de largo espaçamento entre si. Tomemos um exemplo simples: a hélice de um avião, quando gira a grande velocidade, parece um corpo sólido, não dando idéia alguma dos claros que existem entre elas.

IX
O ser humano tem por princípio essencial a alma ou espírito (pouco importa o nome). O corpo é aparente e transitório.

X
Sabemos hoje que os átomos são compostos de partículas sub-atômicas. A quantidade de energia que constitui o universo é invariável, mas a sua possibilidade de uso prático pelo ser humano está sempre em declínio (é o processo que os físicos chamam de entropia).
A alma humana é indestrutível.

XI
A individualidade da alma é recente na história da Terra. O nosso planeta formou-se de uma enorme nuvem rotativa de poeira e gás, de que, no centro formou-se o Sol e na periferia os diversos planetas, inclusive a Terra, a princípio muito quente, mas cujo solo foi progressivamente se esfriando. No início, não existia nenhum ser vivo. Depois, a vida começou pelos organismos mais rudimentares; progrediu de século em século para atingir o estado atual, que não é o último. A inteligência, a razão, a consciência, o que chamamos faculdades da alma encarnada, são modernas. O Espírito se desembaraçou gradualmente da matéria tal como -- se a comparação não fosse grosseira -- o gás se desprende do carvão, o perfume da flor, a labareda do fogo.

XII
A força psíquica começou a se afirmar desde há 30 ou 40 séculos na humanidade terrestre; a ação dela está apenas na aurora.
As almas, conscientes da sua individualidade ou ainda inconscientes, apenas quando encarnadas estão presas às condições de Espaço e Tempo. Após a morte dos corpos, elas estão fora daquelas condições, embora as muito atrasadas possam pensar que não estejam. Algumas vão habitar outros mundos.
Não têm consciência de sua vida extracorpórea e da sua imortalidade senão aquelas que ainda não se desprenderam dos laços materiais.

XIII
A Terra é uma província da pátria eterna; faz parte do Céu, o Céu é infinito; todos os mundos fazem parte do Céu. Nosso planeta e um navio espacial que transporta, através do infinito, uma população de almas com a velocidade de cerca de 3.860.000 quilômetros por dia em torno de uma pequena estrela, e todo o sistema solar viaja a, aproximadamente, um bilhão de quilômetros em direção à constelação de Hércules.

XIV
Os sistemas planetários e siderais que constituem o Universo estão em diversos graus de organização e adiantamento. É infinita a extensão da sua diversidade; os seres guardam, em toda parte, em sua constituição física, relação direta com os mundos em que vieram à luz.

XV
Os mundos, atualmente, não são todos habitados. A época presente não tem importância maior do que as precedentes e nem sobre as que se lhe hão de seguir.
Tais mundos foram habitados no passado, há milhares de séculos; tais outros sê-lo-ão no futuro, em milhares de séculos. Alguns são habitados atualmente, como o nosso.
Um dia, nada restará da Terra, e as suas próprias ruínas estarão destruídas. Mas o -- Nada -- jamais substituirá o Universo. Se as coisas e os seres não renascessem das suas cinzas, não existiria uma única estrela no Céu, pois, desde a eternidade pretérita, todos os Sóis estariam extintos, datando toda a Criação da eternidade. A duração total da humanidade representa um momento no Tempo eterno.

XVI
A vida terrestre não é o tipo das outras vidas. Ilimitada diversidade reina no Universo. Há mansões onde o peso é intenso, onde a luz é desconhecida, onde o tato, o olfato e o ouvido são os únicos sentidos; onde, não se tendo formado o nervo óptico, todos os seres são cegos. Outras há onde o peso é apenas sensível; onde os entes são tão leves e tão tênues que seriam invisíveis para os olhos terrestres; onde sentidos de extrema delicadeza revelam a Espíritos privilegiados sensações vedadas à Humanidade terrestre.

XVII
O espaço que existe entre os mundos espalhados no imenso Universo não os isola uns dos outros. Estão todos em perpétua comunicação uns com os outros pela atração gravitacional (força descoberta por Newton), que, através das distâncias, estabelece indissolúvel laço entre todos os mundos.

XVIII
O Universo forma uma unidade única.

XIX
O sistema do mundo físico é a base material, o ambiente do sistema do mundo moral ou espiritual. A Astronomia deve pois, ser a base de toda a crença filosófica e religiosa. Todo o ser pensante traz em si o sentimento, mas não a certeza da imortalidade. É porque somos as rodas microscópicas de um mecanismo desconhecido.

XX
O próprio homem é quem faz o seu destino. Levanta-se ou cai segundo as suas obras. As criaturas presas aos interesses materiais, os avarentos, os ambiciosos, os hipócritas, os mentirosos, os filhos de Tartufo, moram, com os perversos, nas zonas inferiores. Mas uma lei, primordial e absoluta, rege a Criação: a lei do Progresso. Tudo se eleva ao infinito. As faltas são quedas.

XXI
Na ascensão das almas, as qualidades morais não têm menos valor do que as qualidades intelectuais. A bondade, o devotamento, a abnegação e o sacrifício apuram a alma e a elevam, e assim também o estudo e a ciência.

XXII
A Criação universal é uma imensa harmonia na qual a Terra é um insignificante fragmento, pesado e obscuro. O conjunto dos mundos forma uma hierarquia progressiva, desde os mais atrasados aos mais adiantados, já próximos da luz divina.

XXIII
A Natureza é um perpétuo futuro. O Progresso é a lei. A progressão é eterna.

XXIV
A eternidade de uma alma não seria suficiente para visitar o Infinito e tudo conhecer.

XXV
O destino da alma é desprender-se, cada vez mais, do mundo material e pertencer definitivamente à vida superior, de onde dominará a matéria e não sofrerá mais. O fim supremo dos seres é a aproximação perpétua da perfeição absoluta e da felicidade divina.
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"Tal era o testamento científico e filosófico de Jorge Spero". (Texto extraído do livro "Urânia" de Camille Flammarion. ed. de 1966).


51)19 Abr 2010
Os Dois Primeiros Livros de Flammarion

1) O livro "A Pluralidade dos Mundos Habitados" (ano de 1862) de Flammarion é dividido em 5 partes: a 1a. parte intitula-se Estudo Histórico e se compõe de dois capítulos; 1.1) Da Antiguidade à Idade Média, 1.2) Da Idade Média até os nossos dias. A 2a. parte intitula-se Os Mundos Planetários e se compõe também de dois capítulos: 2.1) Descrição do sistema solar, 2.2) Estudo comparativo dos planetas. A 3a. parte intitula-se Fisiologia dos Seres e se compõe de três capítulos: 3.1) Os seres sobre a Terra, 3.2) A vida, 3.3) A habitabilidade da Terra. A 4a. parte intitula-se Os Céus e se compõe de um único capítulo: A imensidão dos céus. A 5a. parte intitula-se A Humanidade no Universo e se compõe de três capítulos: 5.1) Os possíveis habitantes dos outros mundos, 5.2) Inferioridade do habitante da Terra, 5.3) A humanidade coletiva.

2) O livro "Deus na Natureza" (ano de 1867) também é dividido em 5 partes: a 1a. intitula-se A Força e a Matéria e se compõe de três capítulos: 1.1) Posição do problema, 1.2) O céu, 1.3) A Terra . A 2a. parte intitula-se A Vida e se compõe de dois capítulos: 2.1) A circulação da matéria, 2.2) A origem dos seres. A 3a. parte intitula-se A alma e se compõe de três capítulos: 3.1) O cérebro, 3.2) A personalidade humana, 3.3) A vontade do homem. A 4a. parte intitula-se Destino dos Seres e das Coisas e se compõe de dois capítulos: 4.1) Plano da natureza - construção dos seres vivos, 4.2) Plano da natureza - instinto e inteligência. A 5a. parte intitula-se Deus e não tem nenhum capítulo mas apenas considerações gerais tiradas de toda a obra sobre a possível natureza do Ser Supremo.


50)19 Abr 2010
A evolução darwiniana não elimina a existência de Deus, diz Flammarion

"Digamo-lo com firmeza: mesmo admitindo, sem reservas, todos os fatos invocados pelos materialistas; mesmo perfilando-nos ao lado de Darwin, Owen, Lamarck, Saint-Hilaire e, sobretudo, com estes (porque há sempre gente mais realista do que o rei), para supor que os olhos, os ouvidos, os sentidos, os homens, os animais, seres e plantas vivos, em suma, se tenham formado pela ação permanente de uma força natural, nem por isso se provaria a inexistência de Deus, e, sim, ao invés, que Deus existe. Somente, o que se dá é que, em vez de se nos revelar como pedreiro, ele se nos antolha como arquiteto. E com isso, cremos, nada perde, ao contrário, ganha."
"Em nosso estudo geral da Força e da Matéria (feito no tomo 1), acompanhamos essa metamorfose da idéia de Deus. Do ponto de vista da destinação dos seres e das coisas, a idéia correlativa sofre a mesma progressão; longe de enfraquecer a antiga beleza do plano criador, ela o desenvolve e reforça grandemente. Se, em vez de uma mão a construir o protótipo de cada espécie animal e vegetal, admitirmos uma força íntima, aplicada à matéria, isso em nada afeta a idéia de uma inteligência criadora e da finalidade da Criação. Porque, na verdade, é preciso cerrar preconcebidamente os olhos, para que se não veja nessa força íntima da Natureza, o efeito de um pensamento inteligente. É preciso ser cego para desprezar o indício evidente de uma causa poderosa e eterna que arrasta progressivamente tudo e todos para um ideal superior."
"Pretender que a Natureza se forme de si mesma e progrida instintivamente, numa direção constante para resultados cada vez mais perfeitos, é confessar em parte que ela se encaminha a esse ideal devido a uma causa inteligente. Como poderia a matéria inerte ter tido a idéia de se enformar sucessivamente como vegetal, como animal, como homem, engendrando todos esses órgãos que constituem o ser vivente e conservam a vida atavés dos séculos? Como não reconhecer em tudo isto uma ordem geral? Porque a Natureza não representa um caos de monstruosidades?"
"A toda essas perguntas, respondem-nos com a lei de seleção natural. Explicam todos os problemas repetindo que a Natureza é arrastada a um progresso incessante, que despreza o mau pelo bom e tende sempre a realizar formas mais perfeitas."
"Mas, em suma, que é que vem a ser essa tendência, esse progresso instintivo, essa necessidade de engrandecimento, senão o ato de uma força universal dirigindo o mundo para o ideal? Que significa essa marcha simultânea de todos os seres para a perfeição, senão a revelação eloquente de uma causa, que sabe onde e como conduz o carro, sem que a matéria servil pudesse jamais opor-lhe o mínimo obstáculo?"
(Camille Flammarion, Deus na Natureza; Tomo 4, Destino dos Seres e das Coisas, cap.1, Plano da Natureza - Construção dos Seres Vivos, ed. FEB, 1959, trad. de M. Quintão).


49)19 Abr 2010
A Posição Filosófico-Científica do Astrônomo Flammarion

Ao final do prefácio da 10a. edição francesa da "Pluralidade dos Mundos Habitados" (isto em 1867), Flammarion diz: "Vejo com prazer coincidir a publicação desta nova edição com o aparecimento da nossa obra "Deus na Natureza" . Esta última é, com efeito, o desenvolvimento da idéia que ditou a precedente. Seu fim acha-se por inteiro nestas palavras: A Religião pela Ciência. Procuramos formular neste trabalho uma filosofia positiva das ciências e dar uma refutação não teológica do materialismo comtemporâneo. Possa esta obra, fundada sobre a observação racional e científica, seguir e mostrar o caminho seguro do espiritualismo racional, a igual distância do ateísmo científico e da superstição religiosa, com seus dogmas e mistérios".
Vejamos agora a sua opinião no final do livro já citado, "Deus na Natureza":
"Vigem hoje no mundo dois grandes erros, tão vivazes e profundos como nos tempos mais obscuros da História, isto é, nas épocas recuadas em que a inteligência humana ainda podia formular nenhuma concepção exata da natureza".
"Esses dois erros, por nós combatidos paralelamente, são: de um lado o ateísmo científico, que, por puro preconceito ou soberba, nega a existência do espírito; e do outro lado a superstição religiosa, que, com seus dogmas, concebeu um Deusinho semelhante a seus interesses e fêz do Universo uma imensa lanterna mágica para uso e gozo da humanidade".
"Como esses dois erros igualmente funestos -- posto que à primeira vista pareçam inócuos -- procuram agora apoiar-se em princípios sólidos da Ciência contemporânea, impusêmo-nos o dever de mostrar que eles não podem reivindicar tais princípios em seu favor; que jazem fatalmente isolados da ciência positiva e se desarticulam ao primeiro embate, qual castelo de cartas, enquanto -- idéia central -- continua em linha reta o espiritualismo científico".

Esta foi a resposta que enviei a um amigo, que ficou muito impressionado com as mensagens de Flammarion que eu havia lhe remetido, e me pediu lhe informasse qual seria então a posição do célebre astrônomo sobre Deus e as religiões. Logicamente que eu lhe disse também que, para obter uma visão mais completa do assunto, deveria consultar as obras da lavra do eminente astrônomo, pelo menos as publicadas em português.


48)15 Abr 2010
Uma bela página do "poeta da Astronomia"

"Quem não se assombra, quem não se extasia ao contemplar, nas noites claras, a vastidão do céu noturno, cravejado de miríades de pontos faiscantes de luz, milhões de estrelas brilhantes emoldurando o que parece ser um jardim celestial, quem não se embriaga com a esplendorosa visão? Pois bem, eis um fato em que não havia pensado antes; se o nosso grãozinho de poeira perdido no espaço, chamado Terra, fosse o único planeta habitado por seres inteligentes, o universo inteiro consubstanciado nesses milhões de astros que sulcam o espaço infinito não passaria, para o habitante do nosso pífio planeta, de um universo de ostentação...-- sim, um universo de ostentação! Uma perspectiva inútil de aparências mentirosas! Uma imensa lanterna mágica!, uma fantasmagoria, ai de mim, inebriante e fascinadora, colocada diante de nossas almas para induzí-las ao erro -- arrebatadoras imagens que o Ente supremo diverte-se em fazer desfilar diante de nossas beatas figuras, como nesses pequenos teatros ao ar livre se fazem dançar figuras de papelão para divertir as crianças risonhas!!! Eis o último refúgio daqueles que rejeitam a teoria da Pluralidade dos Mundos Habitados".
Há ainda páginas muito belas escritas pelo "poeta da astronomia" (como ele foi chamado pelo famoso escritor Michelet), mas para não me estender muito termino pelo último parágrafo da obra, que é o seguinte:
"Tornaremos a cair agora na sombra em que ontem dormíamos, e nos deixaremos outra vez atrair para o abismo da dúvida? Lá no alto a luz que resplende: fecharemos os olhos para nã vê-la? Os astros falam e sua palavra eloquente cai junto de nós: ficaremos surdos à sua voz? Sejamos humildes para merecer compreender o ensino da natureza, porém sejamos sinceros quando o tivermos compreendido. Reconheçamos quem somos e proclamêmo-lo altamente. Se foram precisos sessenta séculos e mais, antes que as ciências exatas pudessem produzir os elementos de nossa certeza, esclarecendo-nos sobre o nosso verdadeiro lugar no universo e nos permitindo chegar ao conhecimento de nosso destino; se foi precisa esta longa e santa incubação dos anos para animar com um sopro de vida nossa bela doutrina e afirmar a sua verdadeira grandeza; oh! guardêmo-la preciosamente, esta doutrina, como uma riqueza d'alma; consagrêmo-la ao Deus das Estrelas; -- E quando noites sublimes, envolvendo-nos de magnificências, acenderem no oriente suas constelações diamantinas, e no céu sem limites desenrolarem suas misteriosas claridades... através da imensidade dos Mundos, entre os céus estrelados, debaixo do véu argênteo das nebulosas longínquas, nas profundezas incomensuráveis do infinito, e até além das regiões desconhecidas onde se desenvolve o eterno esplendor... saudemos! Meus irmãos, saudemos todos: são as Humanidades, nossas irmãs, que passam! (Camille Flammarion, A Pluralidade dos Mundos Habitados, 1910, Ed. Garnier).

Esta obra é a primeira escrita pelo célebre astrônomo (em 1862, a tradução é que é de 1910), quando ele contava apenas 20 anos e é considerada, talvez, a sua obra prima; foi a primeira a tratar, de um ponto de vista rigorosamente científico , isto é, sem misticismos tolos, a questão da pluralidade dos mundos habitados. Esta obra, hoje rara, é, como dizem os americanos, um cult, e permanece atualíssima, não obstante os enormes progressos científicos obtidos desde então.


47)15 Abr 2010
Continuação da Viagem de Flammarion pelo Imenso Espaço Exterior (2)


Continuando a sua "viagem espiritual" pelo espaço sideral afora, o sábio astrônomo Camille Flammarion, encontra-se agora a cem mil trilhões de quilômetros da Terra, e, nessas condições, todo o sistema solar, há muito tempo, desapareceu completamente da vista, e sua existência, não pode ser sequer suspeitada. O astrônomo francês continua então a sua narração:
"No meu vôo rumo ao infinito, passei por um grupo de mundos multicores iluminados por três sóis: um vermelho-rubi, um verde-esmeralda e um azul-safira, e tão singularmente iluminados por essa luz -- artificial para nós, natural para eles -- que eu perguntei a mim mesmo se não era o joguete de uma ilusão e se realmente tais criações podiam existir, do que, entretanto não poderia absolutamente duvidar um só instante, pois que eu próprio observara centenas de vezes ao telescópio essas associações de sóis coloridos, tão conhecidos dos astrônomos. Detive-me, aproximei-me de um desses mundos e o vi habitado por seres que pareciam tecidos de luz, aos olhos dos quais, muito provavelmente, os habitantes de nosso planeta pareceriam de tal modo escuros, pesados e grosseiros que, a seu turno, perguntariam uns aos outros se realmente vivemos e se nos sentimos realmente viver".
"São astros, esses, povoados por organismos aéreos cujo brilho deixa muitíssimo longe a delicada contextura das nossas rosas mais frescas e dos nossos lírios mais puros. Tais seres nutrem-se da própria atmosfera que respiram, sem se verem condenados, como os habitantes do nosso planeta, a massacrar perpetuamente inúmeros animais para alimentar com eles os seus corpos. Sua beleza, seu brilho, sua vivacidade, levaram-me a recordar, pelo contraste, as condições exigidas pela vida terrestre. Considerei que a força brutal reina aqui soberanamente, que milhões de seres vivos são mortos cada dia, para assegurar a existência dos outros, que a guerra é uma lei natural entre os seres humanos, como se fossem feras, e que a humanidade está ainda tão pouco desembaraçada da barbárie animal que muitos povos continuam a aceitar, como nos tempos primitivos, a miséria, a fome e exploração. Constatei, estando tão longe da Terra, que a inépcia dos cidadãos deste planeta é verdadeiramente colossal. Os milhões de homens que povoam atualmente as nações ditas civilizadas não percebem que são os escravos de um estado maior de militarismo e belicismo sanguinários. Que seriam dos governantes desses países sem o militarismo? Por meio de frases retumbantes, das palavras sonoras de glória e pátria, confundindo a pátria intelectual com a força bruta, procurando manter na alienação o seu próprio país, arrastam consigo milhões de soldados-escravos, os quais, ao primeiro sinal, experimentam uma sublime felicidade em se lançar à carnagem, à pilhagem e à morte. São eles, se o quiserem, bastante livres para recusarem essa escravidão; mas nem sequer lhes ocorre essa idéia! E para garantir a sua pretensa superioridade militar, esses países mantêm exércitos permanentes, subtraem os seus homens ao trabalho útil e fecundo, e lançam todas as suas forças, todos os seus recursos (bilhões por ano) em um abismo sem fundo. Os soldados-escravos sentem-se felizes, orgulhosos com esse procedimento, e se gloriam dele! Inteligente humanidade! Admirável planeta!"
"Vista desta distância, a política dos Estados terrestres parecia-me de uma barbárie singular. Mas cada árvore produz o fruto correspondente à sua espécie: as tartarugas e os ursos não poderiam ambicionar as asas da andorinha ou o canto do rouxinol. A glória militar dos Alexandre, dos César, dos Carlos Magno, dos Tamerlão, dos Napoleão, dos Bismarck, sendo da ordem dos instintos dos animais carnívoros, não dura quase nada mais que um banquete brutal, e alguns séculos bastam para tudo apagar na própria história do planeta. Realmente, que é feito dos grandes impérios terrestres, o romano, o persa, o assírio, o mongol, o babilônico,etc.? Ruíram séculos atrás, e deles só restam hoje cinzas, nada mais do que cinzas... Austerlitz, Waterloo, Sebastopol, Magenta, Sadowa, Reichshoffen, Sedan: agitações microcópicas em um formigueiro liliputiano, divertimentos de crianças ávidas de exercícios musculares, de sangue e de fogo. Por que censurá-los, por que lamentá-los? Fazem o que lhes agrada e ninguém os força a isso. São talvez os astrônomos que têm culpa de não observar os planetas com um microscópio mais possante para determinar os parasitas que os mesmos contêm... (Camille Flammarion, Sonhos Estelares, ed. da FEB, 1941).

Estas palavras geniais foram proferidas pelo eminente astrônomo, no início do séc. vinte (por volta de 1912), e, ainda hoje, estou de pleno acordo com elas, como acredito que todos também estejam. Afinal, quando esta humanidade conseguirá superar essa sua fase animal para atingir um estágio evolutivo superior? Nós, certamente, não veremos isso, mas os nossos tetranetos, quem sabe?